Salto de precipícios para encontrar palavras. Às vezes as capto no ar, no céu claro ou em lugares escuros. Também as vejo na lua e lá um anjo me diz: "Tome são tuas".
Trabalho num poema escrito na caminhada da rua, nos saltos de angústia e nas pedras soltas de paralelepípedos. Trabalho com palavras surgidas no ímpeto da dor. Imagens sumindo no calor negro das calçadas. Trabalho num poema que cresce no balanço brusco do ônibus lotado. Trabalho num poema composto de dizeres mal ditos e de ternura medida. Trabalho e nem sei se há atalho para se chegar a um sei lá o quê. Algo que se pareça a um estranho de coisas esquisitas que tentam traduzir o cansaço da medonha vida.
terça-feira, 7 de setembro de 2010
Ninguém ainda conseguiu me explicar para onde vão os pássaros quando morrem
domingo, 5 de setembro de 2010
Talvez ainda haja um tempo escondido além desde tempo preso a mim
Talvez na gota do suor ainda reste um pouco de chuva ácida a roer as unhas da minha alma
Posso ser alguma coisa qualquer coisa a contento da transcendência desta vida como asas secas de borboletas a revirar feito roda-moinho no chão de barro da varanda
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
Durante muito tempo fugiram as palavras de mim agora é que percebo o quanto perdi o quanto elas perderam de mim
Não se freia o que não se vê E o horizonte carrega o infinito da vida
Quando a noite veio, o poeta estava só. Percorreu os livros da estante. Começou a sentir tudo muito lento. Queria escrever sobre o céu azul, mas já havia feito isso. Pensou em girassóis, nas rosas vermelhas, no mar que chorava na ponta da praia, na lua à procura do sol, mas tudo já estava escrito. Ainda assim, sentia um gosto de verso, e da sua boca pingavam na página pálida sílabas silenciosas. Encontrou a agenda perdida no fundo da gaveta. Não havia folhas brancas, todas gritavam poemas. Admirou o tempo que cobria de anos os dedos magros e irregulares. O vazio lá fora caía leve dentro dele. As coisas passam, as palavras enfeitadas nas linhas ficam. A mesma ternura que dedicou à flor, também dedicara à faca. Sua obra estava ali, enfileirada na estante. Durante um ciclo eterno, seus poemas iriam anoitecer e amanhecer. Pegou um caderno novo e escreveu: “ Deixo branca a página para que a paisagem passe”. Muitos certamente, viriam depois dele. Lembrando de um amigo que um dia escrevera que quem parte leva um jeito de quem traz a alma torta, o poeta encaminhou-se à janela dando adeus às plenitudes inesperadas. Em meio à madrugada, deu um salto do décimo primeiro andar. O poeta foi sonhar num labirinto de poesias.
Duas folhas caem ao mesmo tempo do mesmo galho. Uma ainda verde, cheia de vida, desce rápida e para estática no chão frio do fim da madrugada. A outra folha, já seca e à beira da morte, desce suave e vagarosamente, pousando como pluma no mesmo chão gélido.
São cinco horas da manhã e na ruazinha silenciosa as duas folhas adormecem, embaladas pela canção dos primeiros pássaros que despertam.
O vento de outono passa. Outras folhas caem, tanto verdes, quanto secas, mas nenhuma fica em par, como as que caíram primeiro.
Às seis horas da manhã, uma dona-de-casa , trazendo uma mangueira enrolada à mão, aparece à calçada, despertando as folhinhas com um jato feroz de água. Tenta raivosamente se livrar das duas, e enquanto pratica a ação, pensa na vida e em toda sujeira que tem que limpar todos os dias, num frenético eincansável ritual . As folhas passam, para a calçada do vizinho, “missão cumprida”, pensa a mulher.
O vizinho atrasado como sempre, tira o carro. Insensível a qualquer coisa que não seja o trabalho, passa por cima das folhinhas, que se agarram desesperadamente ao pneu. Que aventura para elas que nunca viram além da sua própria árvore. Agora observam a fumaça, o céu cinzento, as pernas apressadas, as buzinas enlouquecidas, os motoqueiros, as rodas, rodas, rodas ... e .... desavisadas caem do pneu, tontas ainda, ficando ali esquecidas.
À tarde, , as duas permanecem ainda no mesmo lugar, e ainda lado a lado. O vento de outono passa novamente, a folha verde se mantém no mesmo lugar, a folha seca voa calmamente, dançando pelo ar, leve, muito leve. Um fotógrafo eterniza esse momento, e ilustra seu mais novo livro com a imagem da folha seca no ar.
Ao amanhecer a folha verde é recolhida por uma mulher que a coloca no meio de seu livro de poemas. Ficará ali, convivendo com as palavras, até secar.
A folha verde e a folha seca, a dona-de-casa e seu vizinho, o fotógrafo e a mulher. Qual o sentido de vida para eles? Todos possuem o mesmo ciclo de vida. Ciclos são repetitivos e encerram a mesma antítese de nascer e morrer, mas o sentido que se dá à vida de cada um é único para cada ser. Assim como não há fisicamente um ser igual ao outro, não há um sentido de vida igual ao outro e é isso que faz toda diferença na existência de cada um de nós.