Salto de precipícios para encontrar palavras. Às vezes as capto no ar, no céu claro ou em lugares escuros. Também as vejo na lua e lá um anjo me diz: "Tome são tuas".
Quando eu era criança tinha a mania de estranhamento. Às vezes andava pela rua e estranhava as casas, pareciam coisas de outro mundo. Como as paredes podiam esconder pessoas, pensamentos, sentimentos? O mundo nessas horas parecia abandonado, e eu pensava para que servem as pessoas? Então, começava a estranhar as pessoas, os jeitos, as vozes, os cabelos as roupas e eu parecia não pertencer a terra, me sentia um visitante que iria partir a qualquer hora.
Passei a estranhar o silêncio. O silêncio era um fundo escuro e profundo que engolia tudo. A noite era longa nessas horas e eu ouvia o silêncio dialogando com a escuridão.
Em outros momentos eu me via bem pequena e o mundo gigante. Tentava tocar as coisas, mas elas pareciam muito, muito distantes de mim, parecia que eu não existia em corpo físico.
Estranhava as estrelas e o céu escuro. O céu cairia a qualquer hora sobre minha cabeça. E como a terra, era terra, se era ar?
Esses estranhamentos todos cresceram junto comigo, tomaram outras formas, passaram a ocupar outros espaços, mas a sensação desta vida ser estranha a mim nunca me abandonou.
Eu ando pelo mundo prestando atenção Em cores que eu não sei o nome Cores de Almodóvar Cores de Frida Kahlo, cores Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção no que meu irmão ouve E como uma segunda pele, um calo, uma casca, Uma cápsula protetora Eu quero chegar antes Pra sinalizar o estar de cada coisa Filtrar seus graus Eu ando pelo mundo divertindo gente Chorando ao telefone E vendo doer a fome nos meninos que têm fome
Pela janela do quarto Pela janela do carro Pela tela, pela janela (quem é ela, quem é ela?) Eu vejo tudo enquadrado Remoto controle
Eu ando pelo mundo E os automóveis correm para quê? As crianças correm para onde? Transito entre dois lados de um lado Eu gosto de opostos Exponho o meu modo, me mostro Eu canto para quem?
Pela janela do quarto Pela janela do carro Pela tela, pela janela (quem é ela, quem é ela?) Eu vejo tudo enquadrado Remoto controle
Eu ando pelo mundo e meus amigos, cadê? Minha alegria, meu cansaço? Meu amor cadê você? Eu acordei Não tem ninguém ao lado
Pela janela do quarto Pela janela do carro Pela tela, pela janela (quem é ela, quem é ela?) Eu vejo tudo enquadrado Remoto controle