terça-feira, 22 de novembro de 2011


" Os olhos continuaram a dizer coisas infinitas. As palavras de boca é que nem tentavam sair, e tornavam ao coração caladas como vinham...”

Machado de Assis

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Fada


Valsava em seu vestido azul
feito bailarina
e voava entre becos e construções
soprada pelo vento sul

em casas destruídas
e roupas sujas no varal
ela pousava sua graça
e mesmo sendo inverno
no interior de seus sentidos
ela tragava mel
e o devolvia ao céu


Do outro lado


Adormeci sob uma colcha de silêncio
mas quando acordei
meu coração havia sugado
todos os silêncios a minha volta
e só a mim foi destinado
naquela manhã febril
ouvir um som
do lado de lá do oceano

sabia que estaria plantada
em alguma terra distante
uma canção única
revirando os vários seres
presos em minha alma
e vozes ordenadas em coro
clamavam pela minha volta

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Ao meu avô


Lembrei-me de meu avô. Quando criança, era uma festa a minha chegada a sua casa. "Mi nieta del mi corazón", dizia sempre tão carinhoso, rindo orgulhoso de seu espanhol.
Nas tardes quentes do interior de Araçatuba, eu o esperava no portão, e ele apontava na rua, empurrando seu carrinho amarelo de sorvetes. Era sorveteiro, o único que conheci em toda a minha vida. Que alegria! A criançada correndo atrás dele, mas, naquele instante, ele só tinha olhos para mim e quando abria a janelinha do carrinho, meus olhos se coloriam com a variedade de sabores. Tinha todos a minha escolha.
Nas noites quentes e enluaradas, a alegria era outra: ele tocava sanfona. Eu ficava encantada olhando o vermelho da sanfona, o preto e o branco que se encolhiam e se espandiam ao toque de seus dedos.
De manhã, a horta no quintal, a água saindo do regador, levando vida às verduras. A mesa posta, meu avô em uma ponta, minha querida avó em outra e eu ali no meio, sentindo-me a princesa da casa.
Às vezes, enquanto esperava meu avô voltar do trabalho, minha avó me levava a longos passeios pelas ruas calmas da cidade, sempre debaixo da sombrinha e eu achava graça andar de sombrinha debaixo do sol. Ela me tratava como um vaso de porcelana. A todo instante olhava meu rosto branco para ver se não estava ficando vermelho.
À tarde, os bolos, os doces, a limonada gelada, o quintal de terra, as galinhas correndo, o milho se espalhando, a poeira levantando, o saci correndo de mim ... eu correndo atrás do saci com a peneira na mão. Ah ... o saci!! Eu acreditava que iria pegar um só para mim.
E a chuva ... como era boa a chuva de verão do interior, tocando suave em cada telha. Aproveitava para dormir bem quentinha, sentindo a proteção de meus avós.
Custava em aceitar os dias passando, porque sentia a partida presa a mim. Chorava sempre ao ver vovô na estação, chapéu de palha na mão, acenando ...O ônibus partindo, a estação sumindo, tudo escurecendo na longa estrada.
Engraçado como tudo se modifica. Hoje sei que a despedida não é ruim quando há a certeza do reencontro. Sei que as pessoas importantes em nossas vidas, não partem jamais, apenas adormecem dentro de nós.