quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Temporais


Há, sim, vendavais nas varandas
Raio escarlate cortando o chão
Passa gritando pelos arredores
embaça as janelas adormecidas

Sim, há temporais crescendo
aqui dentro
remando de encontro ao mar
Asas fugindo no azul do céu
lutas perdidas
em pousadas abandonadas

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Estranho poema


Trabalho num poema escrito na caminhada da rua, nos saltos de angústia e nas pedras soltas de paralelepípedos.
Trabalho com palavras surgidas no ímpeto da dor.
Imagens sumindo no calor negro das calçadas.
Trabalho num poema que cresce no balanço brusco do ônibus lotado.
Trabalho num poema composto de dizeres mal ditos e de ternura medida.
Trabalho e nem sei se há atalho para se chegar a um sei lá o quê. Algo que se pareça a um estranho de coisas esquisitas que tentam traduzir o cansaço da medonha vida.

terça-feira, 7 de setembro de 2010


Ninguém
ainda conseguiu
me explicar
para onde vão os pássaros
quando morrem

domingo, 5 de setembro de 2010


Talvez ainda haja
um tempo escondido
além desde tempo preso a mim

Talvez na gota do suor
ainda reste um pouco de chuva ácida
a roer as unhas da minha alma

Posso ser alguma coisa
qualquer coisa
a contento da transcendência
desta vida
como asas secas de borboletas
a revirar
feito roda-moinho
no chão de barro
da varanda

quarta-feira, 1 de setembro de 2010


Durante muito tempo
fugiram as palavras de mim
agora é que percebo
o quanto perdi
o quanto elas perderam de mim

Não se freia o que não se vê
E o horizonte carrega o infinito da vida

A morte do poeta


Quando a noite veio, o poeta estava só. Percorreu os livros da estante. Começou a sentir tudo muito lento. Queria escrever sobre o céu azul, mas já havia feito isso. Pensou em girassóis, nas rosas vermelhas, no mar que chorava na ponta da praia, na lua à procura do sol, mas tudo já estava escrito. Ainda assim, sentia um gosto de verso, e da sua boca pingavam na página pálida sílabas silenciosas. Encontrou a agenda perdida no fundo da gaveta. Não havia folhas brancas, todas gritavam poemas.
Admirou o tempo que cobria de anos os dedos magros e irregulares.
O vazio lá fora caía leve dentro dele.
As coisas passam, as palavras enfeitadas nas linhas ficam. A mesma ternura que dedicou à flor, também dedicara à faca. Sua obra estava ali, enfileirada na estante. Durante um ciclo eterno, seus poemas iriam anoitecer e amanhecer.
Pegou um caderno novo e escreveu: “ Deixo branca a página para que a paisagem passe”. Muitos certamente, viriam depois dele.
Lembrando de um amigo que um dia escrevera que quem parte leva um jeito de quem traz a alma torta, o poeta encaminhou-se à janela dando adeus às plenitudes inesperadas. Em meio à madrugada, deu um salto do décimo primeiro andar. O poeta foi sonhar num labirinto de poesias.

O sentido da vida



Duas folhas caem ao mesmo tempo do mesmo galho. Uma ainda verde, cheia de vida, desce rápida e para estática no chão frio do fim da madrugada. A outra folha, já seca e à beira da morte, desce suave e vagarosamente, pousando como pluma no mesmo chão gélido.

São cinco horas da manhã e na ruazinha silenciosa as duas folhas adormecem, embaladas pela canção dos primeiros pássaros que despertam.

O vento de outono passa. Outras folhas caem, tanto verdes, quanto secas, mas nenhuma fica em par, como as que caíram primeiro.

Às seis horas da manhã, uma dona-de-casa , trazendo uma mangueira enrolada à mão, aparece à calçada, despertando as folhinhas com um jato feroz de água. Tenta raivosamente se livrar das duas, e enquanto pratica a ação, pensa na vida e em toda sujeira que tem que limpar todos os dias, num frenético e incansável ritual . As folhas passam, para a calçada do vizinho, “missão cumprida”, pensa a mulher.

O vizinho atrasado como sempre, tira o carro. Insensível a qualquer coisa que não seja o trabalho, passa por cima das folhinhas, que se agarram desesperadamente ao pneu. Que aventura para elas que nunca viram além da sua própria árvore. Agora observam a fumaça, o céu cinzento, as pernas apressadas, as buzinas enlouquecidas, os motoqueiros, as rodas, rodas, rodas ... e .... desavisadas caem do pneu, tontas ainda, ficando ali esquecidas.

À tarde, , as duas permanecem ainda no mesmo lugar, e ainda lado a lado. O vento de outono passa novamente, a folha verde se mantém no mesmo lugar, a folha seca voa calmamente, dançando pelo ar, leve, muito leve. Um fotógrafo eterniza esse momento, e ilustra seu mais novo livro com a imagem da folha seca no ar.

Ao amanhecer a folha verde é recolhida por uma mulher que a coloca no meio de seu livro de poemas. Ficará ali, convivendo com as palavras, até secar.

A folha verde e a folha seca, a dona-de-casa e seu vizinho, o fotógrafo e a mulher. Qual o sentido de vida para eles? Todos possuem o mesmo ciclo de vida. Ciclos são repetitivos e encerram a mesma antítese de nascer e morrer, mas o sentido que se dá à vida de cada um é único para cada ser. Assim como não há fisicamente um ser igual ao outro, não há um sentido de vida igual ao outro e é isso que faz toda diferença na existência de cada um de nós.