segunda-feira, 13 de dezembro de 2010


O silêncio possui barulhos perturbadores
quando nossa alma não consegue
enxergar além da escuridão

quinta-feira, 25 de novembro de 2010


Bebo poesias
porque não cabe neste corpo
tantos sonhos

Vivo num mundo
em que as palavras
transpiram por meus poros

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Beatriz


Beatriz foi um sopro

Esqueci-me de olhar para ela

Nas manhãs de sol

E nas noites de lua cheia

Também não me recordo

De ter encontrado seus olhos

Na imensidão do mar

Pobre Beatriz

Ou pobre talvez tenha sido eu

Por não ter percebido que eu era a Beatriz

domingo, 14 de novembro de 2010


Eu a vi perder-se
no meio de um temporal

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Veias


Sinto uma intimidade inibida
com minhas veias
que saltam em minhas mãos pulsantes
sobre a pele branca

Que líquido estranho corre em mim
Às vezes penso que o líquido da vida
É também o da morte
E durmo ignorando o trem-veia
que corre em mim

terça-feira, 12 de outubro de 2010


Faço poemas
pois esta vida
não me basta

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Temporais


Há, sim, vendavais nas varandas
Raio escarlate cortando o chão
Passa gritando pelos arredores
embaça as janelas adormecidas

Sim, há temporais crescendo
aqui dentro
remando de encontro ao mar
Asas fugindo no azul do céu
lutas perdidas
em pousadas abandonadas

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Estranho poema


Trabalho num poema escrito na caminhada da rua, nos saltos de angústia e nas pedras soltas de paralelepípedos.
Trabalho com palavras surgidas no ímpeto da dor.
Imagens sumindo no calor negro das calçadas.
Trabalho num poema que cresce no balanço brusco do ônibus lotado.
Trabalho num poema composto de dizeres mal ditos e de ternura medida.
Trabalho e nem sei se há atalho para se chegar a um sei lá o quê. Algo que se pareça a um estranho de coisas esquisitas que tentam traduzir o cansaço da medonha vida.

terça-feira, 7 de setembro de 2010


Ninguém
ainda conseguiu
me explicar
para onde vão os pássaros
quando morrem

domingo, 5 de setembro de 2010


Talvez ainda haja
um tempo escondido
além desde tempo preso a mim

Talvez na gota do suor
ainda reste um pouco de chuva ácida
a roer as unhas da minha alma

Posso ser alguma coisa
qualquer coisa
a contento da transcendência
desta vida
como asas secas de borboletas
a revirar
feito roda-moinho
no chão de barro
da varanda

quarta-feira, 1 de setembro de 2010


Durante muito tempo
fugiram as palavras de mim
agora é que percebo
o quanto perdi
o quanto elas perderam de mim

Não se freia o que não se vê
E o horizonte carrega o infinito da vida

A morte do poeta


Quando a noite veio, o poeta estava só. Percorreu os livros da estante. Começou a sentir tudo muito lento. Queria escrever sobre o céu azul, mas já havia feito isso. Pensou em girassóis, nas rosas vermelhas, no mar que chorava na ponta da praia, na lua à procura do sol, mas tudo já estava escrito. Ainda assim, sentia um gosto de verso, e da sua boca pingavam na página pálida sílabas silenciosas. Encontrou a agenda perdida no fundo da gaveta. Não havia folhas brancas, todas gritavam poemas.
Admirou o tempo que cobria de anos os dedos magros e irregulares.
O vazio lá fora caía leve dentro dele.
As coisas passam, as palavras enfeitadas nas linhas ficam. A mesma ternura que dedicou à flor, também dedicara à faca. Sua obra estava ali, enfileirada na estante. Durante um ciclo eterno, seus poemas iriam anoitecer e amanhecer.
Pegou um caderno novo e escreveu: “ Deixo branca a página para que a paisagem passe”. Muitos certamente, viriam depois dele.
Lembrando de um amigo que um dia escrevera que quem parte leva um jeito de quem traz a alma torta, o poeta encaminhou-se à janela dando adeus às plenitudes inesperadas. Em meio à madrugada, deu um salto do décimo primeiro andar. O poeta foi sonhar num labirinto de poesias.

O sentido da vida



Duas folhas caem ao mesmo tempo do mesmo galho. Uma ainda verde, cheia de vida, desce rápida e para estática no chão frio do fim da madrugada. A outra folha, já seca e à beira da morte, desce suave e vagarosamente, pousando como pluma no mesmo chão gélido.

São cinco horas da manhã e na ruazinha silenciosa as duas folhas adormecem, embaladas pela canção dos primeiros pássaros que despertam.

O vento de outono passa. Outras folhas caem, tanto verdes, quanto secas, mas nenhuma fica em par, como as que caíram primeiro.

Às seis horas da manhã, uma dona-de-casa , trazendo uma mangueira enrolada à mão, aparece à calçada, despertando as folhinhas com um jato feroz de água. Tenta raivosamente se livrar das duas, e enquanto pratica a ação, pensa na vida e em toda sujeira que tem que limpar todos os dias, num frenético e incansável ritual . As folhas passam, para a calçada do vizinho, “missão cumprida”, pensa a mulher.

O vizinho atrasado como sempre, tira o carro. Insensível a qualquer coisa que não seja o trabalho, passa por cima das folhinhas, que se agarram desesperadamente ao pneu. Que aventura para elas que nunca viram além da sua própria árvore. Agora observam a fumaça, o céu cinzento, as pernas apressadas, as buzinas enlouquecidas, os motoqueiros, as rodas, rodas, rodas ... e .... desavisadas caem do pneu, tontas ainda, ficando ali esquecidas.

À tarde, , as duas permanecem ainda no mesmo lugar, e ainda lado a lado. O vento de outono passa novamente, a folha verde se mantém no mesmo lugar, a folha seca voa calmamente, dançando pelo ar, leve, muito leve. Um fotógrafo eterniza esse momento, e ilustra seu mais novo livro com a imagem da folha seca no ar.

Ao amanhecer a folha verde é recolhida por uma mulher que a coloca no meio de seu livro de poemas. Ficará ali, convivendo com as palavras, até secar.

A folha verde e a folha seca, a dona-de-casa e seu vizinho, o fotógrafo e a mulher. Qual o sentido de vida para eles? Todos possuem o mesmo ciclo de vida. Ciclos são repetitivos e encerram a mesma antítese de nascer e morrer, mas o sentido que se dá à vida de cada um é único para cada ser. Assim como não há fisicamente um ser igual ao outro, não há um sentido de vida igual ao outro e é isso que faz toda diferença na existência de cada um de nós.

terça-feira, 31 de agosto de 2010


É tarde ...
enquanto tudo silencia
poemas gritam dentro de mim

Tinha uma janela no meio do caminho


Outro dia fiquei sentada por três horas aguardando uma consulta médica. Não havia muito o que se fazer ali, naquele consultório comum. Na mesinha ao lado, revistas velhas com letreiros desbotados e notícias encardidas. Pessoas também comuns, murmurinhos doentes. Pacientes impacientes. Nada para ler, nada para se falar.

Três horas quase perdidas, salvas por uma fração mágica de segundos. Meus olhos sonolentos conseguiram captar uma imagem: uma janela. Que imagem mais comum, diriam alguns, mas como tudo é uma questão de relatividade, a janela passou a ter para mim, um valor altamente significativo. A arquitetura era bem antiga, talvez início do séc.XX. Permaneci ali, centrada naquela visão. Estranho, mas parecia ser a primeira vez que via uma janela.

Como pensar no exato valor que há em uma janela? Que significado importante poderia ter uma janela na confusão doentia do dia-a-dia correndo lá fora?

Se para Carlos Drummond “tinha uma pedra no meio do caminho”, para mim tinha uma janela no meio do caminho.

Como ignorar uma janela? Onde há uma janela há uma poesia grávida pronta para nascer.

Quantas coisas sentimos através de uma janela... Por ela vimos a vida renascer todos os dias quando deixamos o sol entrar. Por ela damos adeus a um amor. Por ela tememos a escuridão e esperamos a mansidão da luz. Existem sonhos através das janelas. Nossa mente cansada vagueia a vida que sonhamos ter. Existem também lágrimas que se colam à janela, sempre quando chega o entardecer e percebe-se que nada vem pronto na vida.

Como poesia e vida circulam na mesma veia, proponho um exercício bem fácil: sentemos à frente de uma janela e observemos a vida que corre através dela. Não importa a arquitetura da janela, ou se é feia ou bonita, velha ou nova, o importante é que esteja aberta, e que haja um pano de fundo: uma rua ... uma flor ...... um rio, ou quem sabe o trio de tudo isso. Assim, dessa forma tão simples, nascerá em algum coração um rebento de poesia.

domingo, 29 de agosto de 2010


Sim
sou rota
desavisada

O trabalhador arquivo de ontem e hoje


Foi na adolescência (década de 80), que li pela primeira vez o conto "O arquivo", de Victor Giudice. Lembro-me, ainda, da sensação de estranheza que o texto me causou.
Falava de um trabalhador que ao fim de um ano de serviços prestados obtinha uma redução de quinze por cento em seus vencimentos. Com o passar do tempo seu salário era cada vez mais reduzido, sua condição de vida piorava. Teve que mudar para locais mais pobres e longe do trabalho, até ficar ao relento. Quase não comia, não dormia e mal se vestia.
Quando completou quarenta anos de serviço, a chefia o convocou. Havia sido premiado: não teria mais salário nem férias.
O trabalhador, cansado, pois havia atingido o tempo total de trabalho,tentou requerer a sua aposentadoria, mas o patrão lhe dissera para aguardar, porque ele já era um desassalariado, teria que pagar uma taxa inicial para permanecer no quadro de funcionários.
Fora toda essa barbárie, o que mais me chocou no texto, na época, foi o fato de ao final de sua vida, o trabalhador se transformar em um arquivo: " As formas se desumanizaram, planas, compactas. Nos lados havia duas arestas. Tornou-se cinzento ... um arquivo."
Naquele tempo, acostumada a ver meu pai, metalúrgico em São Bernardo do Campo, a lutar por seus direitos e gritar por dignidade nas grandes greves do ABC, muitas vezes ao lado de Lula (quem diria) , achava maluquice aquela cena, coisa capaz de acontecer somente na Literatura. Mas, hoje, passados bem mais de vinte anos, vejo como isso é bem possível. Nós trabalhadores honestos e responsáveis como o João do conto, estamos nos transformando lentamente em arquivos, quando a cada dia que nasce, vemos nossos direitos sendo reduzidos: o direito ao descanso, o direito a um aumento justo, o direito ao atendimento médico de qualidade, o direito à Educação e outros tantos direitos soterrados.
Estamos nos transformando em arquivos a cada plenária no congresso, quando criam mais e mais leis para reduzir nossas chances de ter um padrão adequado de vida.
Em pleno século XXI, milhões de arquivos perambulam pelas ruas. O que difere o trabalhador arquivo de agora e o personagem criado por Giudice é que aquele foi transformado em metal, mais resistente; e o de agora, mais moderno, é feito à base de papel reciclável, que é para ser manuseado e reutilizado muitas vezes, assim, quando não prestar mais, apenas um sopro será capaz de eliminá-lo.
E no século XXII, que estranho objeto seremos?

sábado, 28 de agosto de 2010

Silêncios


Escuto alguns silêncios
Que moram dentro
de folhas caídas

Escuto gritos de dor
de árvores queimadas
"Dormem queridas
vai passar"

Escuto o silêncio
das nuvens
que me atravessam

Sinto mortalmente
O beijo que dou
na brisa que por mim passa

Talvez eu seja as folhas
Talvez eu seja as árvores
Talvez eu seja a nuvem
Talvez eu seja todos
os silêncios

O voo da borboleta


Observa o voo da borboleta. Voa rápido, mas subitamente para um segundo numa flor. Delicada, beija-a mansamente. O sol brilha nas asas coloridas. Somos felizes enquanto observamos o voo da borboleta.
Observa agora a flor que foi tocada pela borboleta. Ainda treme devido ao pouso em suas pétalas. Somos felizes enquanto observamos a flor.
Agora observa o resto do jardim. Há muitas borboletas pousando aqui e lá. Não tenha pressa e coloca a sua cadeira na sombra da pitangueira.
Enquanto estamos neste quintal, o mundo se perde lá fora. Alguém morre em segundos, bombas explodem em segundos, árvores caem em segundos, corpos se mutilam em segundos.
A tristeza dura mais que a alegria, o desamor mais que a presença, a dor mais que a cura, o grito mais que a calma.
Mas e a borboleta? Tente se aproximar daquela borboleta mais vistosa. Tente tocá-la. Alguns segundos ainda restam. Linda, leve, perfeita e ... contemple agora as asas da borboleta se distanciando de suas mãos. Não foi possível pegá-la, mas ainda é possível sentir a sensação da liberdade no ar deixada pela borboleta.
Não há, neste instante, mais borboletas no jardim, porém ainda há um quintal com flores. A felicidade assim como a borboleta, também possui cor, leveza, alegria e aparece apenas por alguns segundos para nos distrair da vida estática.
Talvez amanhã, quando o dia chegar ainda haja tempo para observarmos o voo da borboleta, a cadeira vazia ainda continua lá.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A partilha


O carro foi se aproximando da casa da fazenda. Era estranho saber que vovô não estaria mais ali, sentado na cadeira, debaixo da varanda, esperando por mim.
Na minha infância, durante as férias de janeiro, era sagrado que todos os netos passassem uma semana com os avós.
Subi as escadas, passo a passo. Cada degrau uma lembrança. Aquele cheiro bom de mato, de terra pura, de fruta no pomar, de boi no pasto, de fogão à lenha. Quanta saudade!
A sala estava cheia. Vinte netos, dez bisnetos, tios, tias. Fui a última a chegar.
_ Venha querida, agora podemos começar - disse minha mãe.
No chão espalhavam-se todos os pertences de vovô: discos, fotos, livros, roupas, relógios, quadros, radinhos de pilha e uma caixinha velha de madeira.
Que confusão! Mais de cinquenta italianos em uma única sala. Mão para lá, mão para cá, falatório. Esbarrões, uma verdadeira feira.
Quando todos se acalmaram, vi ali, no meio do tapete, a caixinha velha. Ninguém a quisera.
Era bem nítido em minhas lembranças, o valor daquele objeto, ou melhor, não do objeto em si, mas do que dentro dele havia: selos. Muitos selos, de vários tamanhos e cores, de diversos lugares. Os selos representavam histórias. Cada carta recebida e que trazia notícias boas, tinha o selo retirado e guardado. Quando a noite caía, meu avô pegava a caixa e revivia emoções. Sempre chorava. Não era um colecionador de selos, mas da simbologia que carregavam e zelava por eles, como se essa fosse uma forma de eternizar os seus momentos de felicidade.
Essa mania de vovô durou sessenta anos. Nos dois últimos anos de sua vida, acordava e dormia com a caixinha de selos. Vovó só não se separou porque era ridículo demais acreditar que estava sendo traída com uma caixa de bobagens, segundo ela.
Passei grande parte da vida com medo de selos. Tinha verdadeira aversão a eles. Odiava receber cartas com receio de acabar também presa aqueles pedacinhos de papel e suas lembranças.
Depois daquele alvoroço, enquanto todos dormiam, fui à varanda. Como num ritual em que se jogam as cinzas do morto ao mar, lancei ao vento os selos. Pronto! Agora a partilha acabara de vez. Estavam libertas todas as histórias, e que descansassem em paz.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010


E somos tudo
e somos nada
sementes ao vento
transpondo cercas farpadas

E somos tempestades
e somos mar
estrondos no infinito
canções lançadas ao céu

E somos serpentes
e somos águia
somos poço
e somos água

somos tudo
no fundo do nada
Gigantescas assombrações
caminhantes imaginários
lanças e estacas
solavancos na estrada

E somos pó
e somos nada


Uma chuva fina de espanto
caiu sobre minha cama nesta madrugada
mas eu não estava lá

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Agenda


Era mais uma agenda velha no lixo reciclável, mas a capa com uma foto antiga a diferenciava do resto do material ali depositado. Uma mão aproximou-se rapidamente do caminhão que já partia, e agarrou a agenda como quem abraça um filho. Subiu as escadas do edifício lentamente. Entrou no apartamento nº 1968, coincidentemente o mesmo ano da agenda. "Quarenta anos", pensou a mulher. Os dedos finos começaram a folhear as páginas. No dia primeiro de janeiro de 1968, planos para o novo ano: cuidar da saúde, viajar, cultivar as flores, rever os amigos, ficar com seu amor. Em fevereiro, ver o mar, bailar com a lua, dançar na rua. E assim, mês a mês ela revivia. Ficou ali tímida em seus pensamentos, esquecida nas folhas. O que é afinal uma agenda velha se não a comunhão de sonhos, o desassossego da rotina, o despertar de planos, a confissão de segredos?
A mulher mirou-se no espelho, estava agora com oitenta anos e sozinha naquele apartamento. Olhou a agenda no auge dos seus quarenta anos, pouco envelhecera, apenas mudara do branco para o amarelo, mas estava ali, intacta. A mulher ao contrário da agenda embranquecera cabelos, pele, pensamentos ... A agenda continuava sendo portadora dos mesmos sonhos de quarenta anos atrás; a mulher já não tinha sonhos. A agenda estava pesada, a mulher estava leve.
Olhou para a ausência no sofá, para as paredes vazias de fotos, para o silêncio negro da sala. Dos quarenta anos, restavam agenda e mulher, material e alma, lembranças e saudade.
No dia seguinte, a mulher desceu as escadas ainda mais lentamente. Acariciou a agenda e a depositou novamente no lixo reciclável. Dessa vez não subiu as escadas como sempre fazia. Abriu o portão e foi caminhar suavemente pela rua, enquanto pensava no poema de Cecília Meireles: " O que é preciso é ser como se já não fôssemos, vigiados pelos próprios olhos severos conosco, pois o resto não nos pertence."