quarta-feira, 30 de junho de 2010

Com o pensamento em Ana Cristina Cesar


Haverá caído ainda uma lágrima
quando o vento forte e quente
beijou seus olhos?

Ou o pé digno
deu impulso às asas
e na queda livre
a lágrima
fora para sempre transformada em
riso de Anjo?

A Vela


Paira suave sobre
o corpo adormecido
a silenciosa amada
chama da vela

Penetra nas narinas entupidas
pela inexatidão da vida
sobe pelo espírito entristecido

Já não venta lá fora
e as plantas tão cheias de tudo
se fazem esquecidas no sol do meio dia

Vai cheiro bom da fumaça
estremece as paredes do universo

Há exatos quinze minutos
tempo único da vela
que chora enegrecida
no móvel tímido da sala

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Paisagem


Misturo-me na paisagem
Sou da paisagem

Hoje


Hoje acordei fechando portas. Há sempre uma porta atrás de nós, aberta para o nada, que serve tão somente para nos engolir na escuridão.
Hoje acordei procurando os pássaros. Fiquei instantes achando que estava morta, porque não ouvia os pássaros.
Hoje acordei gritando e correndo na estrada. Há sempre uma estrada à nossa espera.
Hoje dei murros no espelho e ignorei altiva minhas marcas de expressão, algumas tão incertas como incertos são os pensamentos falsos.
Hoje, tão somente hoje, vi escorrer uma lágrima no ralo da pia. Foi-se para onde?
Hoje pus pontos finais nos assuntos inacabados, dei saltos nas encostas da surdez.
Hoje fui eu e esmaguei nas janelas, os fantasmas perdidos dentro de mim.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

A verdade de ser poeta

O bom de ser poeta é não ter o dever da explicação. Poesias são seres libertos, independentes. Existe entre o poeta e seus poemas uma cumplicidade sem obrigações, sem protocolos. Posso ouvir o som do sol, morar na lua, rir junto com fadas. Posso dizer verdades ocultas. Posso ser louca, racional, boa ou má. Às vezes posso até ser vampira e arrancar sangue das palavras. Posso cortar a face do mal, como também posso encantar monstros invisíveis. Se quiser morrer agora, morro, e ninguém me verá, mas amanhã ao chegar o sol, renasço bem devagar, na folha branca à minha espera.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Partida


Chegou desarmada
Era noite
e não havia viúvas errantes
Chegou cansada
E não havia sala de espera
- Vens, despede-se das vestes que me tomaste
Era noite
E o único Deus a recebeu à porta

terça-feira, 15 de junho de 2010

Olhares invisíveis


No fundo de todas as almas
há olhares invisíveis que permeiam as ações
ora choram
ora riem
ora se perdem no primeiro viaduto
Há espaços desarmados no fundo de cada ser
Corações que não se acham
mãos que não se encontram
cabelos que se perdem no vento forte da madrugada crua
Há olhares inatingíveis que perpetuam espécies
e que morrem jamais