domingo, 16 de novembro de 2014

    





         Conto bolinhas de um quadro para passar o tempo e incuco com sensações abstratas que levam ao caos. E há um caos no pensamento sempre que se divaga e se submete o pensamento a forças fracas da compreensão da realidade.
           Viver é mais difícil do que presume o divã à frente da porta. "Sente-se", dizia a mulher no casaco bem passado com botões de madrepérola. Contei os botões para fugir às falas inconclusas da acadêmica formada em Harvard.
           E o tempo se foi ... com as bolinhas, com os botões, com os pensamentos. E a tarde ... ah a tarde ... caiu. Indiferente a todos os tormentos inúteis. 

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

O trabalhador arquivo ontem e hoje - Reeditado


Foi na adolescência (década de 80), que li pela primeira vez o conto "O arquivo", de Victor Giudice. Lembro-me, ainda, da sensação de estranheza que o texto me causou.
Falava de um trabalhador que ao fim de um ano de serviços prestados obtinha uma redução de quinze por cento em seus vencimentos. Com o passar do tempo seu salário era cada vez mais reduzido, sua condição de vida piorava. Teve que mudar para locais mais pobres e longe do trabalho, até ficar ao relento. Quase não comia, não dormia e mal se vestia.
Quando completou quarenta anos de serviço, a chefia o convocou. Havia sido premiado: não teria mais salário nem férias.
O trabalhador, cansado, pois havia atingido o tempo total de trabalho,tentou requerer a sua aposentadoria, mas o patrão lhe dissera para aguardar, porque ele já era um desassalariado, teria que pagar uma taxa inicial para permanecer no quadro de funcionários.
Fora toda essa barbárie, o que mais me chocou no texto, na época, foi o fato de ao final de sua vida, o trabalhador se transformar em um arquivo: " As formas se desumanizaram, planas, compactas. Nos lados havia duas arestas. Tornou-se cinzento ... um arquivo."
Naquele tempo, acostumada a ver meu pai, metalúrgico em São Bernardo do Campo, a lutar por seus direitos e gritar por dignidade nas grandes greves do ABC, muitas vezes ao lado de Lula (quem diria) , achava maluquice aquela cena, coisa capaz de acontecer somente na Literatura. Mas, hoje, passados bem mais de vinte anos, vejo como isso é bem possível. Nós trabalhadores honestos e responsáveis como o João do conto, estamos nos transformando lentamente em arquivos, quando a cada dia que nasce, vemos nossos direitos sendo reduzidos: o direito ao descanso, o direito a um aumento justo, o direito ao atendimento médico de qualidade, o direito à Educação e outros tantos direitos soterrados.
Estamos nos transformando em arquivos a cada plenária no congresso, quando criam mais e mais leis para reduzir nossas chances de ter um padrão adequado de vida.
Em pleno século XXI, milhões de arquivos perambulam pelas ruas. O que difere o trabalhador arquivo de agora e o personagem criado por Giudice é que aquele foi transformado em metal, mais resistente; e o de agora, mais moderno, é feito à base de papel reciclável, que é para ser manuseado e reutilizado muitas vezes, assim, quando não prestar mais, apenas um sopro será capaz de eliminá-lo.
E no século XXII, que estranho objeto seremos?

quinta-feira, 31 de julho de 2014

Entre sonhos e telhados


Olha a ponta dos telhados antigos tocando o céu.

Aquele telhado gasto pelo sol, pela neve, pelo vento, pela chuva não é o mesmo do tempo dos teus sonhos. Aquele tempo em  que ilusões banhavam os muros do seu coração.

Mudam-se os sonhos, mudam-se os telhados, mas o céu azul é o mesmo guardião invisível dos olhos seus.


domingo, 20 de julho de 2014

Senhora das horas

     Não sei  se a morte  canta ou encanta, se sussurra ou esbraveja, o fato é que   numa tarde clara e tranquila do mês de julho, sentou-se ao meu lado num café, com uma xícara vazia, como o fundo de seus olhos. Não trazia nenhum capuz preto, nem um olhar torturante e semblante imponente. A expressão era de calma e pensamentos perdidos. Sua cor era indefinida entre um tom de cinza e verde, cor sem brilho, opaca.  Seus dedos  prostraram-se sobre a borda da xícara sua cabeça virava mansamente de um lado ao outro. Enquanto o café queimava minha boca, meus dedos congelavam na página do livro que lia. 

    Uma cena normal, diria qualquer um que visse duas mulheres tomando um café, ou quase isso, numa tarde  do mês de julho, mas somente um bom observador, seria capaz de ver que, naquele momento, somente duas coisas se moviam: a fumaça do café e a cabeça da mulher. Em segundos, nossos olhos se encontraram.  Foi com um ar de desalento e descuido, que ela me ignorou e sumiu.
   
      Não sei se eu a enganara ou se ela me excluíra do seu programa triste,  daquele incomum entardecer de  inverno.

     

sábado, 21 de junho de 2014

País do futebbol










Duas da manhã e uma bandeira brasileira flutua na casa ao lado
País do futebol

"Oh mundo tão desigual"

No sul "elite branca" contando centavos para comer
No norte índios esquecidos à própria sorte
No nordeste a seca comendo a alma da morte
crianças sentadas no chão
ouvindo o som da fome
No sudeste madrugada
ninguém dorme
a violência rindo da cara da gente
enquanto isso no planalto central ...
tudo vai ficando ainda mais descomunal


"Oh mundo tão desigual"
e eu moro no país do futebol

No time em campo  cores unidas
Mas na TV tem política de mentira
que joga numa ponta os negros
e noutra os brancos

"Oh mundo tão desigual"
E eu moro no país do Futebol
da desgraça do trem cheio
da fumaça, da cachaça e da trapaça





segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Voa Liberdade -Jessé

 


 Voa, voa minha liberdade
Entra, se eu servir como morada
Deixa, eu voar na sua altura
Agarrado na cintura
Da eterna namorada

Voa  feito um sonho desvairado
Desses que a gente sonha acordado
Voa coração esvoaçante
Feito um pássaro gigante
Contra os ventos do pecado

Voa nas manhãs ensolaradas
Entra, faz verdade esta ilusão

   Voa no estalo do meu grito
Quero ser teu infinito
Neste azul sem dimensão
Vôa...