quinta-feira, 28 de abril de 2011

Sonho


Durante aquela madrugada, enquanto dormia, sentiu alguém a sua volta. Abriu os olhos e viu um brilho esplendoroso. Era pó de estrelas. Caia sobre seu corpo.
Olhou a porta e pode ver ainda a ponta de uma asa sumindo. Seria um anjo? Tentou levantar e percebeu que não havia chão. Sem esforço flutuou até a porta. Houve um pânico. Queria voltar, mas a cama já não estava lá. Não havia mais paredes. Não havia mais quarto. Restara apenas uma imensidão que a aguardava.
Naquele instante ela brilhou na noite que não era noite.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Um pé de manacá


Brota inocente e tímido, um pé de manacá em meio à Avenida Paulista. Desavisado, não percebe que na loucura do dia a dia, suas formas singelas dominam olhares apressados.
Aviões cruzam o céu, levando sonhos sem destino. As nuvens se revezam num inconstante vai e vem. O sol queima pensamentos inacabados.
O pé de manacá olha o azul infinito e implora uma gota d'água. O sertão de pedra não tem piedade, mas a criança tão inocente quanto a árvore derrama-lhe um punhado de água trazido em suas mãozinhas.
Passam dias e noites. Lindo o manacá sobrevive com o que a natureza lhe oferta. Como uma criança abandonada, aguarda resignadamente uma mão abençoada que lhe dê atenção.
Porém, desavisado da própria beleza, não percebe que os primeiros botões surgem. Inibidos, esperam a hora do ato final.
Em meio aos vultos negros que rondam a cidade, e ao barulho de guerra da imponente metrópole, as pétalas, verdadeiras asas de anjos, aparecem estonteantes.
O pé de manacá vai aos poucos, como um camaleão, se transformando de mendigo em rei. Rouba a cena.
Incrível cenário, e como se não houvesse mais o que despertar nos sentidos adormecidos, ainda é reservado um mistério embriagador: as flores verdadeiras fadas, nascem brancas, dormem rosas, acordam liláses. Completo espetáculo de Deus.
Impossível até mesmo para as almas mais inquietas e imperfeitas não atentar para as cores vibrantes da vida.
Após semanas, as flores despedem-se, deixando caídas nas calçadas pequeninos lembretes de vida.
A figura solitária do pé de manacá continuará a brilhar durantes as noites, marcando a presença anunciada de um novo espetáculo, assim que os céus permitirem.

terça-feira, 19 de abril de 2011


Os poemas cansaram-se de mim
E eu cansei de ouvi-los
Desprezei algumas palavras dor ... amor ...
Não quero compor minha história
em nuvens de algodão
que se queimam no sol quente de verão

Preciso de ar agora
para secar um líquido estranho
que teima em brotar nos olhos vermelhos

O que será que está além daquela estrada?

Cansei desse silêncio arraigado aqui
Quero o grito
se possível de liberdade

Vou saltar em alguma estação
e estraçalhar o velho coração

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Único


Ele era o único sinal de amor
Foi-se ...
Vendaval sobrevoando os olhos úmidos
complexo desesperado de desamor

Do último vagão do trem ...
... solidão ...

Sinais são pequenas aparições
Lembranças eternamente perdidas
No fundo sem fim
das retinas enviuvadas

Haverá entre tantos corpos
somente um
um para se esperar
um para amar
um para chorar
um ...

sábado, 2 de abril de 2011

Cadeiras


Chegou a mim, certa vez, com duas cadeiras nas mãos. Como não havia espaço no quarto, colocou-as no quintal.
Passaram-se dias e as cadeiras permaneciam ali, debaixo da floreira.
Às vezes, nas minhas corridas pela sala, olhava pela porta as cadeiras isoladas no quintal.
Nunca gostei de cadeiras, ainda mais em par, parecia-me haver um diálogo invisível, do qual eu nunca conseguia participar.
Um tempo depois, sem que eu permitisse, ele invadiu o meu quintal, trazendo mais duas cadeiras. Pânico total! Não, eu não poderia conviver com mais cadeiras. Havia aprendido a construir silêncios a minha volta.
Naquele mesmo dia, transpus as cadeiras para o outro lado do muro e tranquei o portão.
Quem gostasse de cadeiras que se servisse. Eu continuaria no mesmo lugar, com um quintal vazio a minha espera.