quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Ao meu avô


Lembrei-me de meu avô. Quando criança, era uma festa a minha chegada a sua casa. "Mi nieta del mi corazón", dizia sempre tão carinhoso, rindo orgulhoso de seu espanhol.
Nas tardes quentes do interior de Araçatuba, eu o esperava no portão, e ele apontava na rua, empurrando seu carrinho amarelo de sorvetes. Era sorveteiro, o único que conheci em toda a minha vida. Que alegria! A criançada correndo atrás dele, mas, naquele instante, ele só tinha olhos para mim e quando abria a janelinha do carrinho, meus olhos se coloriam com a variedade de sabores. Tinha todos a minha escolha.
Nas noites quentes e enluaradas, a alegria era outra: ele tocava sanfona. Eu ficava encantada olhando o vermelho da sanfona, o preto e o branco que se encolhiam e se espandiam ao toque de seus dedos.
De manhã, a horta no quintal, a água saindo do regador, levando vida às verduras. A mesa posta, meu avô em uma ponta, minha querida avó em outra e eu ali no meio, sentindo-me a princesa da casa.
Às vezes, enquanto esperava meu avô voltar do trabalho, minha avó me levava a longos passeios pelas ruas calmas da cidade, sempre debaixo da sombrinha e eu achava graça andar de sombrinha debaixo do sol. Ela me tratava como um vaso de porcelana. A todo instante olhava meu rosto branco para ver se não estava ficando vermelho.
À tarde, os bolos, os doces, a limonada gelada, o quintal de terra, as galinhas correndo, o milho se espalhando, a poeira levantando, o saci correndo de mim ... eu correndo atrás do saci com a peneira na mão. Ah ... o saci!! Eu acreditava que iria pegar um só para mim.
E a chuva ... como era boa a chuva de verão do interior, tocando suave em cada telha. Aproveitava para dormir bem quentinha, sentindo a proteção de meus avós.
Custava em aceitar os dias passando, porque sentia a partida presa a mim. Chorava sempre ao ver vovô na estação, chapéu de palha na mão, acenando ...O ônibus partindo, a estação sumindo, tudo escurecendo na longa estrada.
Engraçado como tudo se modifica. Hoje sei que a despedida não é ruim quando há a certeza do reencontro. Sei que as pessoas importantes em nossas vidas, não partem jamais, apenas adormecem dentro de nós.


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